De velhas raizes minhas,

umas vivas, outras mortas,

retirei ervas daninhas

p’ra poder abrir mais portas.


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20120227

O MEU RODOPIAR


Rodopiando seis vezes,
em rodopio magoado,
seis vezes eu me abanei,
girando p’ra outro lado.

Vivi anos assustada,
numa escola onde a maldade
da professora, hoje morta,
não gerou em mim saudade.

Adolescente inquieta,
amante de viajar,
lutei pelo sonho que tinha
e fui p’ra Londres estudar.

Se casei mal, não importa.
Meus filhos são meus amores.
Ensinaram-me que a vida
é feita de muitas cores.

Depois de ter posto fim
a um casamento falhado,
fui para Londres viver,
dizendo adeus ao Passado.

Numa luta sem descanso,
mil perdas quis anular,
e enfiei-me num campo
de mais perder que ganhar.

Condenada a emigrar
do meu País, tão bonito,
encontrei a paz que queria
no meu ser em conflito.

Maria Letra
27/02/2012

20110707

CRESCEU À DERIVA ...


Deram-lhe a vida dois seres.
Era amado pelos dois.
Tinha tudo o que queria
mas aconteceu, depois,
que as coisas entre os seus pais,
giraram bem ao contrário
e, os dois, não foram mais
um par que o protegia.
Foi crescendo nesta falha,
muito livre, muito ao calha.
Sem segurança, a sofrer,
apoiou-se em maus amigos,
em busca não sei de quê.
Partilhava o dia-a-dia,
como alguém que nada vê.
Queria compensar a falta
duma resposta a um por quê.
Foi próprio com essa malta
que conviveu muito tempo,
não pensando que, mais tarde,
a factura do mal feito,
iria ter de pagar
sem perdão, de qualquer jeito.
Sua má vida foi fado.
Como um barco que abalroa
num mar de males infestado,
viveu sua vida à toa.
Dos seus erros se condena
e compreendo porquê
tanto sofrer, em pequeno.
Ele hoje sabe o que quer!
Escolheu alguém p’ra viver
consigo, uma vida inteira.
É feliz! Não está mais só.
Recordar o seu passado,
põe-lhe na garganta um nó.

Maria Letra
2011-07-07

20091211

REFLEXÃO SOBRE A MINHA INFÂNCIA



É-me difícil escrever sobre a minha infância. Quando o faço, debato-me sempre com problemas de consciência, pelo receio de deturpar a realidade dos factos que por vezes, aos olhos duma criança, tomam uma dimensão muito superior. Além disso, posso não recordar, com clareza, os factos que estariam por trás de certos episódios que me marcaram. Contudo, apesar de ter ficado com o peso desses factos que me magoaram relativamente, por exemplo, a atitudes do meu Pai, reconheço, sem sombra de qualquer dúvida, que tudo o que fez por mim reflectia um grande amor e uma forte convicção de que estaria a fazer o que, no seu entender, estaria certo. Claro que este seu endender deveria - se o fizesse - ser julgado no contexto da época Salazarista em que vivi a minha infância, na forma como ele próprio foi educado, etc., etc. Mas eu prefiro não ir por esta estrada, cuja entrada procurarei manter cerrada, pois o que conta, para mim, é o grande amor que ele tinha pelos seus filhos. Optarei, portanto, por ir referindo pequenos episódios vividos, sem a intenção crítica de julgá-lo, pois não estão, na minha memória, quaisquer actos que o merecessem. Mentiria, porém, se escrevesse aqui que não as tenho.

O que escrevia, já na infância reflectia uma certa tristeza, uma tendência para a melancolia. Mas isso não era o que eu desejava transparecesse de mim, porque estava em perfeita contradição com a minha simpatia, a minha alegria e a forma como vivia,
Já em criança, o meu papel de "palhacinha" da família. Bem no fundo daquele ser pequenino, estava uma grande alma, duma sensibilidade enorme, mas com muita tristeza à mistura. Tenho a impressão que parte dessa melancolia nasceu nos dias em que faleceram, com uma diferença de seis meses, uma priminha, com dez de idade – à direita  na foto - e o meu querido avô, com 56 anos.


Costumo dizer que fui a criança que mais amei na vida até ser mãe, contudo, vivi uma infância de medo e de disciplina. Medo, sobretudo, da professora de instrução primária, a quem o meu pai pôs o cognome de "Doninha" e a qual defendia a teoria de Salazar segundo a qual "umas palmadinhas dadas a tempo...." não faziam mal à criança ... Devem ter-lhe dado poucas!...
As fotografias de Salazar e do Marechal Carmona estavam dependuradas na parede da minha sala de aula, na escola primária, mesmo em frente da minha secretária. Eu era muito pequena, mas aquelas duas figuras tinham, na minha sensibilidade, o peso da disciplina de que era uma vítima perfeita. O cenário vivido na escola, durante a minha infância, era pesado, muito pesado. Tão pesado quanto a expressão grave daqueles dois rostos, para os quais evitava olhar. Talvez por isto, há regras que nunca segui na educação dos meus filhos, por considerá-las demasiado rígidas. Elas fizeram de mim uma criança medrosa. Passava noites com um medo atroz do desconhecido, das sombras, da noite. Só conseguia adormecer se ouvisse a minha mãe a arrumar a cozinha ou a costurar, mas muitas vezes acordava de noite a tremer e os meus Pais tinham de levar-me para a cama deles, tal era o meu estado psicológico. Medo porque, no dia seguinte, teria de regressar novamente à escola onde "a doninha" era uma ameaça à minha serenidade e à das pequenitas minhas colegas.

A minha adolescência dava para escrever um longo livro. Se teria interesse lê-lo, não sei dizer, mas que ocupa uma grande parte das minhas recordações mais bonitas, apesar de tudo, isso posso afirmar. Todavia, talvez por estar marcada pela infância que descrevi, também teve muitos momentos de incertezas, de medos e de desesperos que eu tentava rejeitar porque, a minha essência, era a duma criança alegre e positiva, que tentava sempre sair dos 'dramas' através do meu acreditar que a vida é bela demais para vivê-la triste.
Os poemas que escrevi, durante a minha adolescêcia, são coisinhas da idade da "gaveta", ou do "armário", como lhe chamam. A sua importância limita-se ao facto de manterem vivas recordações que ainda hoje me deliciam, amores de adolescente, sentimentos enfatizados que a muitos farão rir, mas que a mim fazem reviver tempos de muito sofrimento, por um amor proibido. A 'pretensão' posta nos poemas que escrevia, em forma de soneto, a sua carga dramática, a pureza desse amor, a mágoa que inspira o facto de ser proíbido pelos pais de ambos ou até mal interpretado por mim, nesse tempo, são detalhes que, na altura, pesaram muito. Mas foi mesmo amor, amor verdadeiro, o que senti por alguém que desconhecia amar-me também. E escrevia, escrevia, até altas horas da noite, para que no dia seguinte pudesse trocar com ele esses bilhetinhos clandestinos, às escondidas dos nossos pais que viravam terramoto, não fossem os estudos acabar afectados. E escrevia ...

DESILUSÃO

Grande é o mistério que envolve o meu segredo
Pois, mesmo eu, já não sei se o compreendo.
Minha vida, transformada num degredo,
É enorme confusão que não entendo.

Da minha dor culparei somente a vida,
Pois cobrindo-a com o véu da ilusão,
Escondi atrás de si a falsa lida
Em que andava, ocupada, a ingratidão.

(vá-se lá saber porque escrevi isto....)

E, ao caír esse véu que faz sofrer
Todo aquele que confia em seu poder,
Fazendo dele um jardim para sonhar ...

Acabei por destruir minha ventura,
Não vendo mais o valor, nem a ternura,
Que tem um coração que sabe amar!


Setembro de 1953


Nota-se aqui a influência da minha leitura de sonetos, que devorava com um interesse pouco comum na minha idade. Aos 13 anos eu já adorava ler Camões e a partir dessa idade, sempre que me era pedido, na escola, para fazer uma composição, essa composição era feita em verso. O que escrevia, em forma de poesia, reflectia uma carga de grande tristeza, acredito que em consequência duma adolescência mal vivida. Talvez por isso, passei a minha vida em busca do caminho certo, duma estrada adequada ao comprimento dos meus passos, mas o que mais encontrei foram atalhos cheios de obstáculos, que procurei melhorar tanto quanto a minha vida me permitiu, para que o caminho a percorrer não fosse tão doloroso.


Maria Letr@